09/09/2014
O agronegócio americano começa a se adaptar à nova
legislação para o setor, conhecida como Farm Bill, que prevê recursos de US$
489 bilhões
Quem acha que política e agricultura não têm nada
em comum está enganado. As duas sempre andaram de mãos dadas. Seja por meio de
programas de financiamento para a compra de maquinário, seja com a
regulamentação de preços mínimos para os produtos agrícolas ou
programas que exigem a conservação do meio ambiente, o governo
federal sempre influencia na agricultura e na pecuária. E
isso não acontece somente no Brasil.
Nos Estados Unidos, pátria do livre mercado e crítica contumaz do protecionismo e dos subsídios (dos outros) ao agronegócio, o assunto que fervilha nos debates políticos e nos encontros entre produtores, neste ano, é o Agricultural Act of 2014, ou Lei Agrícola de 2014, em bom português.
Trocando em miúdos, esse nome estranho significa a
nova “Farm Bill”, uma robusta legislação assinada pelo
presidente Barak Obama em fevereiro, que vai reger o campo americano
com força total até 2018. “A maior mudança será a eliminação
dos pagamentos diretos aos agricultores”, diz Ray Gaesser,
presidente da American Soybean Association (ASA) – a associação
americana de soja – e produtor em Corning, no Estado de Iowa, sobre o
fim de um incentivo financeiro do governo americano, dado de acordo
com a legislação anterior, principalmente para produtores de
algodão.
A nova lei é um calhamaço de mais de 900 páginas, que
prevê um aporte de US$ 489 bilhões, durante a sua vigência.
Desse total, cerca de US$ 41 bilhões serão destinados aos
programas de seguro rural. Outros US$ 24 bilhões serão direcionados
para programas de commodities. Há ainda recursos para programas de
conservação, entre muitos outros. Basicamente, houve uma profunda
reestruturação da lei agrícola, o que também inclui reajustes
orçamentários para programas que já existiam.
Toda a complexidade da nova lei vai exigir um bom tempo
para adaptação. Os produtores ouvidos pela DINHEIRO RURAL ainda
estão na expectativa para saber como ela vai funcionar, na prática.
“Estive lendo e conversando com as pessoas sobre esse assunto, mas
ainda não avancei com ideias claras”, diz Dan Ward, produtor de milho
em Durham, na Carolina do Norte. Precavido, Ward se esquiva de emitir
opiniões sobre a nova Farm Bill. “Ainda estou à espera de que
algumas regras sejam escritas e adotadas”, diz Ward.
“Por isso, não tenho conhecimento suficiente sobre os
detalhes.” Outro produtor, Dale Portz,
de Spragueville, no Estado de Iowa, também está
na mesma situação. “Estamos esperando para
participar de reuniões e aprender sobre a nova lei agrícola”,
diz. Mesmo assim, ele se posiciona contra a
legislação aprovada. “Tenho certeza de que essa lei vai ser pior do
que a última, porque temos políticos em nosso governo que não sabem o
que é a agricultura”, afirma. “Haverá mais regras, que vão tornar as coisas mais difíceis para a
gente trabalhar e ganhar dinheiro.”
Dono de uma fazenda de 303 hectares, onde cultiva milho e
feijão, Portz já avalia como será o próximo orçamento, com o fim dos
pagamentos diretos que recebia do governo americano. “Isso vai significar cerca de US$
15 mil a menos na safra, mas vamos ficar bem sem essa ajuda financeira”, calcula
ele. Sobre essa questão, ele acredita que, no longo prazo, o fim
desse subsídio será positivo. “Nós gostamos de ter independência, muita gente acha que o
governo deveria parar de interferir na agricultura e apenas nos
deixar fazer o que sabemos como fazer”, afirma. “Tudo o que nós
realmente precisamos é de uma proteção contra preços muito baixos ou
desastres naturais.”
Esse apelo de Portz, ao que parece, será atendido. A
principal novidade da nova Farm Bill concerne aos programas de gestão
de risco. O seguro rural foi ampliado e há novas modadidades de
apólice. Segundo Gaesser, presidente da ASA, em média, cerca de 60%
do custo do seguro agrícola será pago
pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).
Além disso, o agricultor pode escolher segurar entre 70%
e até 85% do seu rendimento. “Quanto maior a porcentagem de
rendimento
que o agricultor optar por segurar, maior será o
valor da apólice”, diz. Para Rick Tolman, CEO da National
Corn Growers Association, a associação nacional dos produtores de
milho, vale mencionar a criação da “Supplemental Coverage
Option” (SCO), uma opção de cobertura complementar.
Com essa opção adicional, o agricultor evita possíveis
perdas que não são cobertas pela franquia de apólice do seguro
agrícola contratado. “Este
novo programa pode ser muito atraente para agricultores que atuam em
áreas de maior risco para a produção ou onde o seguro se tornou
muito caro”, afirma Tolman. Outra
vantagem, segundo ele, será o tratamento diferenciado para novos
produtores. “A nova lei
será de grande ajuda para os novos agricultores, por
remover obstáculos administrativos e garantir que eles possam
continuar na atividade”, afirma. De acordo com o USDA,
a partir de 2015, os novatos da agricultura serão isentos de uma taxa
de administração de US$ 300, por exemplo.
O TEMOR BRASILEIRO O impacto da Farm Bill
não se limita ao mercado interno, ecoando mundo afora. Por aqui,
especialistas e entidades temem que essa lei gere impactos
negativos no mercado internacional. No caso do algodão, cultura que
levou o Brasil a travar desde a década passada uma disputa na
Organização Mundial do Comércio (OMC), contra os incentivos aos produtores
americanos, a nova Farm Bill já é sinônimo de problema. “Agora, o
agricultor americano vai receber um benefício ainda maior”,
diz Gilson Pinesso, presidente da Associação Brasileira dos
Produtores de Algodão (Abrapa). Para ele, o pagamento do seguro
agrícola é uma dessas vantagens adicionais. “A apólice é caríssima e
será paga pelo governo dos Estados Unidos”, afirma. Pinesso
avalia com preocupação uma eventual expansão da área plantada de
algodão naquele país. A lógica é que uma maior produção provocará
um recuo nos preços. Com
preços em patamares mais baixos, enquanto o agricultor americano terá
renda garantida com os programas de gestão de risco, seus
colegas estrangeiros ficarão no prejuízo. “Quanto menor o preço do algodão
no mercado internacional, maior será o impacto da Farm Bill”, afirma
Pinesso. “A lei reduz a competitividade dos outros países produtores.” O diretor-geral da
Agroicone, André Nassar, acredita que haverá uma adoção maciça aos
seguros. Além disso, ele vê
na nova Farm Bill uma jogada política. “Os EUA eliminaram um programa que
deixava o país desconfortável perante a OMC e criaram outro incentivo”, diz.
“Com o seguro rural, é difícil provar que o programa distorce o mercado.” Toda essa conjuntura, segundo Pinesso,
da Abrapa, poderá levar o Brasil a reabrir o painel na OMC para discutir a nova
Farm Bill. “Se preciso, vamos expor os americanos ao julgamento internacional
por práticas lesivas.”
Fonte: Revista Dinheiro Rural, agosto/2014, numero 117 http://revistadinheirorural.terra.com.br/secao/agronegocios/politica-que-rege-o-futuro
Autor: Darlene Santiago
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